Antônio de Souza Filho
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Saudoso Puppy

Quando minha filha completou oito anos dei-lhe de presente um cachorrinho recém-nascido - Ela ficou tão contente, sempre estava com ele, quando saía recomendava cuidados e quando voltava logo perguntava por ele. Todos amavam o Puppy, esse era o seu nome, ela mesma que deu, assim que o viu pela primeira vez.

Eles cresceram, ele se tornou um cachorrinho lindo, fofinho, mas não muito grande, ela, bem, dela sou suspeito de falar, sempre será linda. Houve um tempo que sentia ciúmes do cãozinho, pois ele sempre a roubava de mim, mas depois fui me acostumando e eu que nunca fui agarrado com animais já passava a ter por ele um carinho especial, embora apenas observasse de longe, minhas horas de afagos com ele eram bem curtas, um minuto era uma eternidade.

Eu via como ele se derretia com ela e com os outros que o paparicava, às vezes pensava – que cachorro tolo, porém comigo se limitava apenas a balançar o rabinho. Tínhamos uma relação de respeito ele sabia que eu gostava dele, mas ficava por aquilo mesmo, embora eu soubesse que se eu o acariciasse mais, ele se derreteria também, mas me preveni em limitar território, como eles mesmos entendem.

Ele era um danadinho, conquistava todo mundo que chegava a nossa casa, tinha uma maneira própria pra isso, corria pra lá e pra cá, rodeava as pessoas por três ou quatro vezes, fingia que ia morder o calcanhar, depois se colocava na frente sentando e levantando e abanando o rabinho e parava, olhando as pessoas nos olhos, como estivesse se insinuando para que fosse levado ao colo, o que geralmente acontecia então ele ficava quietinho e as pessoas passavam as mãos entre os seus pelos e o danado fingia dormir.

Pois bem, o tempo passou sete anos depois minha filha fazia uma festa linda de quinze anos, estava entrando provavelmente para a idade mais bela de uma mocinha; o Puppy não, naquele momento ele estava atingindo a plenitude da idade, pois a vida média de cães, salvo engano gira em torno de quatorze anos. Mas isso não diminuiu o carinho que ela tinha por ele.

Tal como acontece com as pessoas, os cães tornam-se mais lentos com a idade. O pelo torna-se cinza, os olhos baços, o corpo torna-se flácido e perde a energia. Ficam mais vulneráveis à doença, menos adaptáveis à mudança e tornam-se mesmo esquecidos à medida que a idade avança. A solidão parece apontar o caminho.

Percebemos, depois de algum tempo que ele estava perdendo a visão, com isso ficou também muito mais calmo. Foi nessa época que ele me ensinou uma grande lição – meu carinho por ele aumentou substancialmente, eu viajava muito, mas sempre na volta ficava por perto, observando os seus movimentos, ele dormia muito, quase o tempo todo, porém toda vez que acordava, ele se levantava e antes de qualquer coisa ele ia até o portão, latia por diversas vezes mesmo sem estar enxergando nada e também sem não ter o que acuar, - era como se ele estivesse dizendo para os de fora, “Olha aqui tem cachorro, viu!”. Eu ficava pensando, - como será que ele se sente, vendo a vida se esvair e não poder mais ser a grande alegria de nossa casa.

Certa vez alguém esqueceu o portão aberto e ele saiu, nunca tinha feito isso, não conhecia sequer a rua e provavelmente na ânsia de voltar terminou pegando o rumo errado. Eu estava voltando para o almoço e notei o desespero em todo mundo que já haviam desistido da busca por entenderem que alguém teria passado e levado o Puppy, sabe Deus pra onde. Eu não me conformei e fiz um ultimo apelo pra minha filha, - vamos amor vem comigo, nós vamos acha-lo, ninguém iria se interessar por um cãozinho cego e envelhecido, ela chorando disse - sim.

Naquele momento uma lembrança me rasgou a alma, minha mãe na época que eu tinha entre nove e dez anos, também tinha ganhado um cachorrinho lindo, tão esperto quanto o Puppy, era o Rex, ele alegrava a nossa pobre casa, mas uma fatalidade o tirou de nós, nas mesmas circunstancias daquela hora, o portão do cercado de madeira estava aberto ele saiu, um carro o atropelou e ele morreu. Maldito Gordini, não precisava estar com aquela velocidade naquela hora.

Foi com esse sentimento que fui à procura do Puppy, rezando por dentro para que ele não estivesse morto e que minha filha não tivesse que fazer a mesma promessa que fiz aos nove anos – “nunca mais quero saber de cães”. Ela entrou no carro, enxugou as lagrimas e eu coloquei meus óculos escuros, uma lágrima ameaçou me trair eu não queria que ela me visse chorando.

Duas ruas adiante parei o carro e combinamos – você vai por aqui e eu vou por ali, nos encontraremos na outra esquina, assovie forte se encontra-lo, também farei o mesmo; ah, preste atenção nos arbustos e paredes que tiver, ele deve estar cansado e tentando se proteger. – sim – ela me disse.

Na rua que entrei era escorregadia e sem asfalto, uma ladeira semideclinavel, com cuidado fui andando, eu lembrei que era por ali que há pouco tempo a minha sogra morava, algo me animou. Chegando bem perto, meu coração disparou, ele estava encolhidinho, de costas pra parede, todo sujo de lama, de pronto me voltei e assoviei forte e minha filha veio correndo, ele se assustou, mas vi que balançou o rabinho, ela quase voou pra cima dele – seu fujão, por que fez isso? Brigou com ele. E também se sujou toda, o apertando contra si.

O tempo passou a cada dia minha filha ficava mais bonita e cheia de vida, tinha muitos amigos era querida por todos, viajava e voltava e o Puppy por ali, cada dia mais triste como estivesse em despedida do mundo. Outros cachorros vieram pra nossa casa, também noviços, um casal de Dobermanns, lindos ele preto de orelhas aparadas e rabo curto, ela da cor marrom de pele brilhosa, ativos, danados, mas sem o menor carisma que havia no Puppy. Por isso ele adquiriu o direito de ficar dentro de casa, num local especialmente reservado pra ele. Os Dobermanns ao crescerem passaram a nos dar preocupações, eram traiçoeiros e pouco amáveis com crianças, resolvemos doá-los para um conhecido que tinha uma fazenda bem legal e assim se foram.

Puppy voltou a andar por toda a casa e repetia seus gestos toda vez que acordava, porém muito mais lento e latido bem fraquinho. Lembro-me das horas que ele ficava do meu lado dormindo enquanto eu lia alguma coisa, chegava mesmo a pensar por ele – “se alguém se aproximar eu lhe aviso”, também ria sozinho. Era lindo vê-lo dormir, havia tanta paz.

Numa noite ao chegar a casa vi que tinha um papelão grande próximo da piscina, o tempo estava sombrio, parecia que ia chover. De manhã quando abri a porta no alto do nosso quarto que avista toda área dos fundos, vi o que gostaria que ninguém visse. Alguma coisa estava ali parte n’água e outra parte em cima do papelão, desci correndo pra ver. Era o Puppy que morreu afogado e com frio na piscina, ainda tentou se salvar no papelão, mas suas forças lhe traíram. Ele já estava bem velhinho iria morrer de qualquer jeito. Novamente coloquei os meus óculos escuros, mas daquela vez eu fui para outo lugar.

Nesta semana voltei assistir “Highlander” o primeiro da série é um dos meus filmes favoritos, que sempre emociona e me revolta contra a morte. Ela morre velhinha nos seus braços, eles viveram um grande amor, ele é imortal.

Por algum motivo me lembrei do Puppy. Não, não coloquei os óculos escuros.

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Antônio Souza
Enviado por Antônio Souza em 30/04/2018
Alterado em 04/06/2019
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