Meu amigo Bruce Lee
Quando digo que todos os dias nós aprendemos alguma coisa, não é por acaso. Que o diga o meu saudoso amigo Toinho. A quem num determinado momento eu chamei de Bruce Lee. Explico:
Lá pelos idos de um bom tempo atrás, estudávamos na mesma sala do ginásio e quase sempre estávamos juntos, pelo menos na hora de voltarmos pra casa, pois morávamos próximos. Naqueles momentos discorríamos pelo acontecido no dia, sobre as aulas e tudo o mais. Quase sempre era a mesma conversa até chegarmos a casa. Salvo por um dia que para mim ficou marcado para sempre.
O Toinho era um rapaz franzino, moreninho de gestos avexados e fala apressada, era preciso ouvi-lo com cuidado senão não entendíamos exatamente o que ele dizia, mas era gente boa – não mexia com ninguém, morava uma rua atrás da nossa. Vivia com a tia que tinha hábitos rigorosos de educação.
Pois muito bem, sempre que passávamos por uma esquina já próximo de chegarmos a casa, tinha uma turma de desocupados que mexiam com todo mundo, com as meninas, com os meninos e também com a gente, eu não dava confiança, mas o Toinho ficava uma arara e eu sempre o acalmava – deixa esses caras pra lá, eu dizia e íamos embora. Mas tinha um cara que realmente era irritante um tal sujeito por nome de Cézar, mau elemento de carteira assinada, fumava maconha e diziam que até roubava.
O Toinho o odiava por que ele mexia no que mais detestava – o seu próprio nome, Antônio Gentil, pelo Antônio, tudo bem, mas o “Gentil” nossa! Ele ia à loucura quando alguém o chamava assim – era o que o infeliz do Cezar fazia, além de chama-lo assim fazia gozações e eu sempre contornando.
O Toinho sempre foi ruim em Matemática e o período de provas pra ele era como uma TPM nas mulheres, ainda mal colocado, ele ficava irritado com tudo, isso fazia que sua fala também se complicasse, quase não se entendia o que dizia por ser tão rápido. Nesse dia ele estava atacado, nem comigo falava direito, tinha ido muito mal na prova, achava que teria tirado nota zero.
Quando passamos pelo local da intriga o tal sujeito resolveu inovar, não só o gozou pelo nome como decidiu representar, estavam ali várias pessoas entre eles umas garotas que a gente considerava acima da média. O desgraçado saiu a nossa frente e começou a imitar uma bailarina, levou a mão direita pro alto em forma de concha e colocou a esquerda nas costas e na ponta do pé começou a bailar, mas não ficou só nisso, também começou a declamar enquanto rodopiava, dizia ele:
Gentil Borboletas,
Feliz a bailar
Quisera seguir-te
Nos campos e no ar
Quem dera eu pudesse,
Ter asas assim,
Douradas ligeiras
Pregadas em mim...
Confesso que eu espoquei de rir, por dentro naturalmente, seria engraçado se não tivesse se tornado trágico.
Esses dois versos foi só o que deu para o maldito poeta declamar. Naquele momento eu vi o que até hoje não esqueci. O Toinho trazia nos braços cadernos e livros, eu também, num impulso ele jogou nos meus braços os seus, no mesmo instante que começou a tirar a camisa branca da escola, sapecou-a em mim e disse: de hoje não passa!
Eu fiquei atônito sem saber o que fazer, o tal bandido era bem maior que ele. Quando eu olhei o Toinho sem camisa me deu vontade de ri, ele era muito mais esquelético que eu imaginava – o “caveira” outro colega da nossa rua que tinha esse apelido, na frente dele era o Jô Soares nos bons tempos do “Viva o Gordo”. Eu não sabia mesmo o que fazer, não tinha onde colocar os livros e cadernos havia chovido e a rua estava molhada, escorregadia e ele não me escutava de tanto ódio que estava. Parecia estar sendo possuído por entidade terrível, seus poros exalava brasa ardente, seus olhos ficaram vermelhos e aumentaram de tamanho, moreninho como era, precisava apenas do chifre e um rabo pra figurar o próprio satanás. - Meu Deus do céu! Eu exclamei, pensando - vai sobrar pra mim, sim por que eu não iria deixar o meu amigo apanhar sozinho, era o que eu imaginava.
O Cezar “bailarina” parou, olhou pra aquela coisa na frente dele deu um sorriso de deboche e já ia voltando para onde tinha saído, mas o Toinho se vestiu de macho, - incorporou nele algum espírito, caboco, sei lá, foi o que eu imaginei e gritou com ele: - seu safado, hoje tu vai aprender a não mexer com mais ninguém, principalmente comigo que não te dou confiança, que passo no meu caminho quieto para minha casa – ele era assim mesmo, bem formal até transtornado, e eu ali olhando e gritando – “Para com isso rapaz vamos embora deixa esse cara pra lá”, mas ele não me ouvia.
O Cezar postou-se como um toureiro ante a fera, parecia estar numa arena espanhola imitando Ivan Fandiño, e o Toinho resolveu atacar, ele corria de braços abertos e punhos fechados em direção do sujeito, usava os braços girando como uma borboleta e falava: isso é pra ti aprender a não mexer com ninguém que passa quieta – O Cara se desviava dele e sacava-lhe uma tapa e ele se desequilibrava, não caia, mas voltava do mesmo jeito com mais fúria e com as mesmas palavras: Gentil Borboleta é?! tu vai ver agora a borboleta na tua cara, isso também é pra te aprender e quando tua mãe perguntar, tu diz pra ela por que tu apanhou na rua - e novamente o cara se desviava e dava-lhe outra tapa – eu pensei, esse cara vai morrer de apanhar, pensando que está batendo, eu dizia pra ele: - tu tá apanhando leso, para com isso! Mais uma vez do mesmo jeito e eu resolvi intervir, não sei de onde saiu tanta autoridade, acho que pelos livros que estavam em minhas mãos. Ordenei que o Cezar parasse e fosse embora, ele me obedeceu.
O Toinho olhou pra mim e disse: - tá vendo, assim que se faz, eu quero ver se ele agora ainda se mete a besta comigo; eu fiquei calado, mas com vontade de ri, depois falei, tá bom Bruce Lee, vamos embora eu vou contigo até tua casa, vamos antes que a Polícia chegue daqui a pouco à ambulância chega pra levar ele.
Quando chegamos a casa dele a Dona Nazaré sua tia olhou pra ele e disse, já com os dentes trincados e bem devagar: - Mas o que foi isso? Eu olhei pra ela e disse: calma, ele acabou de dá uma surra num mau elemento que sempre mexe com a gente. Ela me olhou novamente eu pisquei um olho, eles entraram e ele apanhou de novo, dessa vez com razão.
Ainda de longe eu ouvia o som da chibata e as palavras da “doce” mulher: - isso é pra te aprender não brigar com ninguém na rua.... – mas,... - mas uma ova, não corre não moleque, volta aqui...
Hoje eu estava pensando, ando perdendo muitas coisas, achando que estou ganhando. Lembrei-me do Toinho.
Eu hein!
Antônio Souza
Enviado por Antônio Souza em 06/05/2018
Alterado em 10/05/2018