Índios
(Crônicas)
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Dezenove de abril comemora-se o dia do Índio. É mesmo pra se comemorar?! Índio ou indígena? A palavra índio deriva do engano de Colombo que julgara ter encontrado as Índias, o "outro mundo", como dizia, na sua viagem de 1492. Assim, a palavra foi utilizada para designar, sem distinção, uma infinidade de grupos indígenas. O termo, também foi socialmente ligado a pessoas primitivas. Notadamente um desconforto.
Mas desde o ano passado a coisa mudou e hoje pela primeira vez, o Brasil celebra o "Dia dos Povos Indígenas" - e não mais o "Dia do Índio". A mudança foi oficializada em julho de 2022 com a aprovação da Lei 14.402. — Pois bem, eis aqui a informação para quem ainda não sabia.
O tema que achei oportuno abordar em termos de uma simples crônica é da minha satisfação por ter ascendente indígena (Avô materno). E também, por conta d’um episódio sem grande relevância pro mundo, mas pra mim sim, foi muito legal ter vivido aquele momento que já começo a contar aqui pra você, meu querido leitor. Na sequência vou dizer do meu pensamento sobre a minha primeira pergunta lá de cima.
Pois muito bem, eu adoro coisas da natureza e viajar na região amazônica durante muito tempo da minha vida foi sem dúvida alguma, “maravilhoso”, tanto pelo lado profissional quanto cultural, além da enorme distração que sempre foi vivenciar tanta beleza dessa região tão rica. — Certo dia eu estava a caminho de “Pacaraima” cidadezinha que faz fronteira entre Roraima e a Venezuela, ia encontrar com um vendedor para auxiliá-lo nas vendas da empresa para qual eu trabalhava. Ocorre que no percurso, bateu-me um sono insuportável, eu estava ao ponto de dormir no volante e perder a direção do carro. Isso porque sai muito cedo do Hotel e deixei pra tomar café na estrada.
Não lembro exatamente, qual era o quilômetro que eu estava, mas sabia que ali era uma reserva indígena. Parei o carro puxei-o para o acostamento, suspendi os vidros e resolvi tirar uma soneca pra recuperar os sentidos. Não demorou muito e eu ouvi alguém batendo à vidraça do meu carro, acordei um tanto assustado, e me assustei mais ainda quando vi quem eram. Sim, eram dois índios, vestidos apenas de sungas, ambos com arco e flechas nas costas e um suposto caniço nas mãos, penso que iam pescar. De pronto me veio a lembrança do Padre Calere.
Explico: Esse reverendo e seus missionários foram terrivelmente assassinados por índios daquela região, tiveram as mãos e os pés amarrados com cipós pelos Atroaris, que os trucidaram a golpes de borduna. Isso lá na época em que se pretendia ligar Manaus a Boa Vista e, por conseguinte a Venezuela por via terrestre. Porém, há contos que tal horror fora em represália a outros massacres já ocorridos por parte dos brancos matadores de índios. — Mas vamos deixar isso pra lá.
Eu sai do carro e instintivamente me veio a técnica de perguntar primeiro pra ganhar a vantagem da prosa e falei: Pra onde vocês estão indo? Um deles sorriu e não deu importância pra minha pergunta, mas me perguntou: - O senhor está bem? Parece que está cansado, venha aqui que nós vamos lhe dar café e se o senhor quiser pode descansar também. Aí eu baixei a guarda e notei que eram pessoas boas. Então fui com eles num varadouro de mais ou menos dez metros e vi uma linda “maloca” com muitos índios e índias adultos e crianças. Era uma visão fantástica. Eu já havia passado por ali dezenas de vezes e nunca imaginei que aquilo tão lindo, existisse por detrás daquela mata.
A minha surpresa foi muito grande, eles me trataram como um príncipe, me serviram café, me puseram numa cadeira de balanço feito de palha bem confortável e eu fiquei maravilhado. Por conta disso passei a manhã toda conversando com eles e vendo a simplicidade como viviam. Mas muito, muito longe de uma vida como a nossa da cidade. Viviam alegres na sua pobreza mesmo em cima de muito ouro e recursos naturais de elevado valor comercial. Queriam que eu ficasse mais tempo, mas eu não podia; tinha que ir trabalhar.
Diante do que vi e me comovi é que me faço essa pergunta; é mesmo pra se comemorar? Será que justifica toda a defesa que fazem para que eles continuem vivendo daquele jeito, quase igual aos animais da floresta, somente por conta de uma cultura sem nexo algum. Se considerarmos que aquela gente é igualzinha a nós da cidade, e vivemos modernamente, com shopping centers, teatros, estádios de futebol de primeira geração e tantas outras coisas? Honestamente, penso que se os filhos destes que estão por lá, passarem um bom tempo como a gente vive, certamente não vão querer voltar. A menos que a coisa, também se modernize por lá. Eu sou neto d’um deles, gostaria muito que estivessem vivendo hoje como eu vivo.
É isso.
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Antônio Souza
(Escritor)
Legião Urbana – Índios