A mesinha da sala
(Contos)
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Jorginho estava sentado numa linda poltrona, tinha uma taça de vinho na mão e um olhar fixo no centro da sala. Ali estava o primeiro objeto que ele havia comprado para compor os móveis de sua casa, a “mesinha de centro”, peça que um dia tanto o encantou. Eram quase nove horas e a novela estava perto de começar. Ele levantou-se desligou a luz central, ligou o abajur de canto da sala e uma penumbra delicada se expôs no local, com o conforto das almofadas tudo estava perfeito. Era mais uma noite de sua vida que caminhava para o fim do dia.
A novela começou, seria um capítulo onde se esperava muita emoção. Entretanto, os pensamentos de Jorginho estavam noutras paragens; absorto, lembrava do dia em que comprara aquela mesinha, o local e o motivo que o levou a tanto. Com um sorriso no rosto lembrou-se das palavras que o insistente vendedor disse a ele quando lhe ofereceu para que a comprasse. Dizia o rapaz.: “essa não é apenas uma mesinha, mas é a sua amiga companheira que vai lhe acompanhar nas suas alegrias e vitórias, sobre ela você vai colocar muitas taças de vinho e cerveja, além de boas iscas de tira gostos; ao seu redor você vai sorrir bastante com seus amigos e sua família e cada vez que isso ocorrer, esses prazeres serão multiplicados e você nunca vai querer livrar-se dela. Podes crer".
O que o tal vendedor não sabia é que naquele instante Jorginho estava de passagem, vindo da casa que acabara de comprar e que ali faria sua morada com a sua então noiva e futura mulher. Nada disse pro bom rapaz, apenas pagou e voltou à casa, abriu a porta, e deixou-a no centro da sala; nenhum móvel havia ali. Aquele seria o primeiro de sua história.
A novela continuou, Jorginho estava entusiasmado para assistir; as cenas eram de fato muito comoventes, o protagonista principal acabara de ver morrer a mulher que era o amor de sua vida, vida essa que ele construiu a duras penas, e que durante um bom tempo foram imensamente felizes. O desespero do ator era inconsolável e fez com que Jorginho ficasse muito emocionado, sentindo sair lágrimas de seus olhos. Pronto, aquele capítulo da novela acabou. Jorginho enxugou as lágrimas, e voltou a olhar pra mesinha. Olhou ao seu redor, não havia ninguém, mas lembrou-se o quanto havia sido feliz ali, quando sua esposa era viva e seus filhos viviam com ele.
Uma voz cortou o silêncio da sala: - “O Senhor quer mais vinho? Era uma moça, cuidadora de Jorginho, já com seus oitenta anos. Ele respondeu: Não, muito obrigado. Vou dormir, por hoje já senti emoções demais. Boa noite!
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Antônio Souza
(Escritor)
Roberto Carlos - Tanta Solidão